terça-feira, 26 de maio de 2009

Sexto Domingo de Páscoa

SEXTO DOMINGO DA PÁSCOA – ANO B – 2009

At 10,25-26.34-35.44.48 – Salmo 97 – 1Jo 4,7-10 – Jo 15,9-17

Rezamos na oração antes das leituras pedindo ao Pai “que a nossa vida corresponda aos mistérios que celebramos”. A vida cristã é um mergulho – batismo – no mistério de Deus. Como os pensamentos humanos são muito distantes do pensamento de Deus muita gente não compreende a vida cristã e a reduz somente ao nível moral, esquecendo o espiritual, a relação pessoal viva entre a pessoa e Deus. Para muita gente o cristianismo é só um código moral que a gente não consegue viver e um Deus que perdoa os pecadores que nunca se libertam do poder do pecado.
Na leitura dos Atos dos Apóstolos vemos que São Pedro rejeita ser adorado por Cornélio e se declara apenas um homem. Os santos são homens como nós, de carne e osso, com as tentações iguais às nossas. Devemos rejeitar todas as lendas nas histórias dos santos. São pessoas como nós, mas que aceitaram que a sua vida mergulhasse profundamente no mistério de Deus, como rezamos antes das leituras. Por isso é prejudicial toda exploração dos santos como “a santa dos impossíveis”, “a santa ou o santo dos endividados”, “os santos guerreiros” etc. porque desfiguram a verdadeira visão que devemos ter dos santos: cristãos como nós que nos servem de exemplo e estímulo para vivermos melhor o mistério de Deus. Nada mais do que isso. É verdade que os santos são também intercessores, mas todo cristão que carrega sua cruz também o é. Toda intercessão se faz pela união do cristão com Jesus Cristo, o verdadeiro intercessor. Sem a união com Jesus nenhuma pessoa pode fazer nada para salvar ou beneficiar espiritualmente os outros: “Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5).
Ainda dentro da mensagem doa Atos é declarado que “Deus não faz distinção entre as pessoas, mas aceita quem O teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,34-35). “O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,8). Isto significa que o Espírito de Deus pode inspirar qualquer pessoa, mesmo fora da Igreja para que viva segundo Jesus Cristo, dando sua vida pelos outros. Nós, que somos a Igreja de Jesus Cristo devemos ser um sinal forte de fé, de esperança e de amor para o mundo: “Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,13-16). Um cristão que não tenha sentimentos diferentes das pessoas do mundo, que não adore a Deus acima de todas as criaturas é sal sem sabor e luz apagada: para nada serve e não dá gosto nem ilumina a vida das pessoas, não é sinal de Deus.
O salmo nos diz: “O Senhor fez conhecer a salvação, e às nações sua justiça” (Sl 97,2). Que justiça é essa, de Deus. Há gente que imagina Deus, às vezes misericordioso, e às vezes justo. Perdoando o pecador, às vezes e outras vezes castigando o pecador. Esta visão está errada, porque retrata Deus como uma pessoa humana, sujeita a estados de espírito variáveis. A justiça de Deus é a sua misericórdia. Deus é criador e nunca desiste de levar suas criaturas à plenitude de vida. Nosso pecado não diminui o amor de Deus por nós e o testemunho de Jesus confirma isso. Se há inferno é porque a criatura humana pode, na sua liberdade, rejeitar o amor de Deus e se encher de uma auto-suficiência diabólica, sem nunca declarar sua dependência do amor de Deus. Não é Deus que manda a pessoa para o inferno. É ela que não aceita Deus, não se subordina a Deus, em seu orgulho e desobediência e não realiza por isso o encontro com esse desencontro leva a pessoa a uma frustração eterna a que chamamos inferno.
A Primeira Carta de São João diz “que todo aquele que ama – um amor como o de Jesus Cristo, que renuncia para si e dá a vida pelo bem dos outros – nasceu de Deus e conhece a Deus”. Nasceu de Deus significa que não nasceu da carne só, pois a carne tem desejos contrários aos do Espírito Santo. A pessoa age por inclinações que não são instintos naturais, mas inspirações sobrenaturais que vem de Deus. Os instintos naturais do nosso corpo nos levam ao pecado, não à caridade. Conhece a Deus significa um conhecimento que não é sempre uma idéia, mas uma experiência prática de vida e de liberdade. A mesma Carta nos fala que Deus manifestou seu amor enviando o Filho Unigênito ao mundo, para que tenhamos vida por meio d’Ele. Fora de Jesus Cristo não há ressurreição nem vida eterna. Não há nenhuma esperança nem sentido para a vida das pessoas na terra. E afirma ainda que “não fomos nós que amamos a Deus, mas Ele é que nos amou primeiro enviando seu Filho Jesus a nós”. Antes de querermos amar é preciso perceber se nos sentimos amados por Deus. O amor que transmitimos ao próximo é o amor que recebemos de Deus. O perdão que damos ao próximo brota da alegria de ser perdoados por Deus. Se as coisas não tem origem em Deus, não as criamos por nós mesmos. Ninguém ama verdadeiramente se não faz a experiência da alegria de ser amado por Deus. “De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10,8) é um dos mais importantes princípios do Evangelho. Se não damos graças a Deus em todo e qualquer lugar em toda e qualquer situação que passemos ficará muito difícil para nós amar, suportar a cruz, e se instaurará em nossa alma não a ação de graças, que leva à alegria e ao amor, mas a revolta que leva à tristeza, à frustração e ao pecado.
No Evangelho Jesus nos diz que nos ama com um amor igual ao que o Pai tem por Ele mesmo. Isto significa que Jesus vive na sua humanidade, na sua carne, os mesmos movimentos divinos que sua Pessoa Divina viveu desde toda a eternidade. Por isso Jesus revela quem é Deus. “Aquele que me viu, viu também o Pai”, diz Jesus (Jo 14,9). Por isso, Jesus estabelece conosco uma relação igual à que Ele tem com o próprio Deus. Isto é, Ele nos mergulha – batiza – na Santíssima Trindade, que é Deus. A vida eterna é viver a vida de Deus, pela unidade que o Espírito Santo gera entre a nossa pessoa criada e a Pessoa Divina de Jesus Cristo. Daí a importância do mandamento de Jesus: “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 15,12). Amar como Jesus amou é amar com amor divino, amor recebido de Deus, como já meditamos, amor que é dar a própria vida em renúncias constantes pelo bem dos irmãos. Jesus afirma também que o seu amor é fonte de alegria, da sua alegria em nós. Isso significa que a verdadeira experiência do amor divino é fonte de paz, de alegria e de uma leveza de alma bem em oposição às nossas constantes preocupações, que a nossa insegurança e falta de fé em Deus nos inspira. E diz que o amor é dar a vida pelos amigos. Isto significa que a vida do cristão não pertence a ele mesmo, mas é consagrada a Deus e Deus a doa para o bem do próximo, que forma conosco uma unidade, à semelhança da unidade entre as Pessoas Divinas. Depois Jesus nos ensina que somos seus amigos, amigos de Deus, se conhecemos de coração o mistério de Jesus, o que Ele recebeu do Pai. Neste ponto há um grande desinteresse por parte de muitos cristãos em entender mais profundamente Jesus Cristo, o seu Mistério. Tal conhecimento não é principalmente intelectual, mas experiencial, um modo de viver, uma vida segundo o Espírito Santo.
Jesus nos diz que não somos nós que O escolhemos, mas Ele que nos escolhe. Deus nos escolhe quando nos dá os dons necessários à nossa vocação e nos dá as graças necessárias à nossa salvação. Os dons que Deus dá a cada pessoa são diferentes dos dons que Deus dá a outras pessoas. Deus é livre e não tem nenhum compromisso de igualdade de dons entre as pessoas. E isso não constitui injustiça da parte de Deus. Cada um recebe o que é necessário para sua vida cristã e sua salvação. O que nos impede a alegria dos dons de Deus é a comparação com os dons de outrem, que nos leva à inveja e a não acreditar nos nossos dons. Todos são belos diante de Deus se se aceitam na sua identidade e nos seus dons, procurando fazer esses dons darem frutos que glorifiquem o Criador e fonte de todos os dons.
Finalmente Jesus nos diz que quem pedir alguma coisa ao Pai em seu Nome, o Pai nos concederá. A grande questão aqui está na cláusula “em seu Nome”. Isto significa que é Jesus Cristo mesmo que pede pela boca de seu discípulo. Podemos perguntar: as nossas orações e pedidos a Deus caberiam na boca de Jesus Cristo? Poderiam ser orações e pedidos d’Ele ao Pai?

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